A dificil convivencia entre ação social e governo - Parte II
Em parte essa esperança se conserva nos movimentos porque mesmo a crise ética e política que abalou o Partido dos Trabalhadores (PT) não retirou dele as principais lideranças, nem grande parte da militância das entidades, ONGs e movimentos sociais que ainda conservam uma referência política no PT. Nem os partidos de esquerda existentes nem o recém criado PSol conseguiram substituir a hegemonia do PT nesses segmentos. Contudo, o PT não pode dar-se ao luxo de ostentar essa situação como uma poupança política ou um capital político que lhe permanecerá fiel por muito tempo, ele precisa conversar com os movimentos, alimentar essa esperança, quer por meio de ações concretas, quer por meio de discursos políticos que apontem para alguma mudança futura, como tem feito sistematicamente.
A transformação radical não interessa a vários setores, nem de direita nem de esquerda. Superar a ideologia de privilégios, substituindo o assistencialismo por uma cultura de direitos também não está nos planos de várias organizações e de muitas das lideranças sociais, sindicais e políticas. A instauração de uma nova cultura política certamente traria novas lideranças, novas organizações e novos projetos políticos. Por isso é que para muitos a Bolsa Família é o limite possível da transformação social em programas de transferência de renda. Mantém a cultura de privilégios e de gratidão, que ajuda no clientelismo de massas e na despolitização das políticas públicas e, também, mantém uma estrutura de Estado com cargos, posições de mando e lugares para serem ocupados por grupos, organizações e lideranças.
Os movimentos sociais e suas organizações não são necessariamente a antípoda da política tradicional, que acabou predominando no primeiro governo Lula. Contêm elementos no novo e muitos elementos do velho. Em grande parte dos casos a cultura política antiga se sobressai. Não à toa que é necessário permanente processo de reflexão, educação popular, conscientização tanto da militância quanto das lideranças. Não à toa é necessário sempre tentar colocar em prática, desde logo, o discurso libertário, fazendo com que as estruturas das organizações reflitam o discurso de futuro e não a prática social que se quer transformar.
Há movimentos e organizações que se beneficiam com um governo dúbio, que não investe na mobilização social e não propõe colocar em prática políticas de transformação. Essas entidades e movimentos ganham na forma de cargos, na possibilidade de acesso pouco transparente ao orçamento público e na instrumentalização de políticas públicas, se beneficiam porque o controle da máquina do Estado lhes ajuda a fragilizar opositores em seu campo político e a fortalecer suas estruturas organizacionais. No primeiro governo Lula isso foi visto em várias áreas, em vários ministérios, empresas, autarquias, fundações e secretarias. Aqueles que se beneficiam desses processos dizem que isto é parte da realidade, do mundo concreto, da política real; falar contra é coisa de romântico, de utópico. Dizem que estão acumulando, mesmo por meios impróprios, para aplicar em objetivos (fins) desejados por todos. Para eles, a política real é aquela que se constrói no mundo onde os fins justificam os meios. Contudo, desde utópicos como Paulo Freire, até “concretistas” sabem que os meios vão, aos poucos, delineando os fins, criando a cultura cotidiana e material onde os fins vãos se deslumbrando, os meios são os passos que vão descortinando o caminho a se abrir.
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